Quando visito e fotografo cemitérios, encontro um tipo de paz que muito me agrada: a paz dos mortos. Mortos não fazem guerra, não gritam, não ofendem, não agridem, não ostentam bens e nem se acham melhores que os outros. Mortos não matam. A morte está mais preocupada em fazer a vida se reduzir a sua menor parte, enquanto outras vidas decompositoras se empenham com voracidade em transmutar a carne em memórias. Mas, mesmo apreciando e sabendo da pacificidade e do silêncio da morte, é nos redutos da finitude e do descanso eterno que encaro os olhos já decompostos do meu maior temor: tenho um medo terrível de morrer!
É entre túmulos, mausoléus e caixões que reflito sobre vãs filosofias a respeito do quão perecível sou – somos. Cada passo dado, cada epitáfio lido, cada saudade depositada em forma de flores, me fazem aceitar melhor que, mesmo que haja medo, não há saída. Ou talvez até haja saída, mas ela é uma única para todos, assim como nossa entrada. Só há uma porta e a vida é uma fila, onde cada um espera a sua hora de cruzá-la.
E depois de já ter visto tanta gente encaixotada, ali, se decompondo sem propósito em uma caixa de madeira, passei a também ter sonhos para minha morte. Primeiro, se algo ainda prestar, doem tudo, do corpo às tranqueiras acumuladas, pois não hei de querer mais nada. Segundo, não quero coroa de flores, plantas aos montes, o que eu quero mesmo é brotar. Façam de mim cinzas e usem o meu não-corpo para adubar. Quero virar árvore, dar frutos, quero ser colhida, quero crianças subindo em mim e se lambuzando felizes com o gosto doce da vida. Quero que esse meu corpo, mesmo depois de morto, sirva para alimentar. Para mim, isso sim é ser eterna!
Sobre o ensaio
Muito provavelmente você já deve ter ouvido alguém falar, no lugar de "Que Deus o(a) tenha", a frase "Que a terra lhe seja leve". É comum ouvi-la vindo de pessoas de mais idade. O que talvez você não saiba é que essa frase, em latim "Sit tibi terra levis", era muito usada pelos romanos em seus epitáfios. Incrível pensar como uma expressão pode cruzar mares, séculos e até milênios, não?
Como a proposta é que eu continue fotografando cemitérios enquanto eu estiver viva, é importante ressaltar que este trabalho não está finalizado. Acompanhando os ritmos da vida, ele se movimentará, se transformará por tempo indeterminado.